Este texto foi escrito por pessoa muito especial que atendo em clínica. Leio aqui palavras verdadeiras, de auto relato solitário. São palavras que descrevem o quanto o diagnóstico tardio pode ser cruel com a vida de uma pessoa e o quanto o renascer precisa fazer parte das crenças diárias dela. Obrigada pelo texto!
“Reflexos de uma autista”
“Após os 40 anos, fui procurar um neuropsicólogo para fazer meus testes e consultas, a fim de entender o que eu tinha. Já havia recebido vários diagnósticos ao longo da vida, mas nada parecia se encaixar com todas as dificuldades que eu enfrentava. Apesar de, desde os 17 anos, fazer acompanhamento psiquiátrico e terapia, havia sempre uma parte que faltava nas explicações e no entendimento de quem eu era. Passei por diversos tipos de terapia e vários psiquiatras.
Me descobri, então, com alguns diagnósticos e, entre eles, o autismo.
Demorei a aceitar, apesar de as peças da minha vida se encaixarem quase que de forma mágica. E, nesse mundo tão caótico e cheio de entrelinhas, ao menos entendi o porquê de nunca ter me encaixado.
Não espero que a sociedade mude completamente para me servir. Mas, simplesmente, um primeiro passo seria aceitar pessoas como eu dentro dela — sem ofensas e preconceitos — da mesma forma que tento me adequar a ela.
Sinto que é muito difícil para o ser humano encontrar o caminho do meio, sejam neurotípicos ou neurodivergentes. Não é o que a maioria faz. As pessoas, em geral, querem ser aceitas, mas não aceitam o diferente, e, por isso, acabam não aceitando os outros.
E aqueles acometidos pelos maus-tratos normalmente são os que maltratam quando colocados na mesma posição de seus inquisidores — o que, de forma alguma, gera entendimento de ambas as partes.
Já fui maltratada por diversas minorias que, ao perceberem a oportunidade — por eu estar no fim da pirâmide do socialmente aceitável — me prejudicaram e atacaram, ao invés de estenderem o braço solidário.
Eu poderia repetir o processo e me tornar uma agressora, dada a oportunidade. Mas, de fato, não vejo vantagem nisso. Não sou santa ou perfeita, apenas uma pessoa que não quer praticar nos outros os males que sofreu.
No final, parece que a maior parte das pessoas não busca ser aceita, mas sim estar no topo da pirâmide, e então cometem os mesmos erros.
Eu, particularmente, gostaria só de ser aceita — no sentido de poder fazer parte da sociedade com minha condição social, econômica, psicológica e estética, sem preconceitos.
Sei que tudo isso é utópico. Mas é apenas o que eu gostaria.”